Tom Fecht: o mar como metáfora do tempo

Por Paulo Marcos de Mendonça Lima

Na obra do fotógrafo alemão Tom Fecht o mar simboliza a imprevisibilidade da vida e o passar inexorável do tempo. Com o seu volume incomparável - 71% do planeta é água -  esta massa líquida gigantesca está sempre em movimento, mesmo quando parece, de longe, inerte. Tal como o tempo, que vai se depositando em nossas vidas em um movimento constante, interminável e incontrolável. Não vemos o tempo, mas ele está presente. Como o Rio de Heráclito - “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio” – o tempo e o mar nunca são os mesmos, fluem ininterruptamente.

Série Eclipse de Tom Fecht

Série Eclipse de Tom Fecht

Tom Fecht nasceu na Alemanha em 1952, viveu e trabalhou na Suíça, Alemanha e França como engenheiro e editor. Em 1992, lançou sua carreira artística na IX Documenta com seu projeto de arte terrestre Mémoire Nomade. Em meados da década de 1990, Fecht elegeu a fotografia como seu suporte preferencial e desde então produziu uma extensa obra feitas de imagens de paisagens e retratos. Nestes últimos, o fotógrafo usa diferentes técnicas de iluminação e enquadramentos e, ao contrário de muitos fotógrafos, como Richard Avedon e Irving Penn, Fecht não se restringe à uma gama limitada de luzes e poses. Parte do seu processo é descobrir e explorar novas possibilidades ao fotografar um rosto. Neste sentido, produz imagens que são o oposto das suas fotos do Oceano Atlântico feitas de cima de rochedos pertos da sua casa na Bretanha, França. No processo dos retratos a mudança na abordagem é o fator constante, quando nas paisagens marinhas o imutável é a abordagem constante.   

Pas de deux (Gisèle Freund and Nina Beskow), Paris 1999

Pas de deux (Gisèle Freund and Nina Beskow), Paris 1999

“Gosto de pensar que as minhas câmeras têm ouvidos...e de escutar os meus olhos”. Com esta frase Tom Fecht explicita de forma incomum a sinestesia que deve estar presente em todo gesto artístico e que ele leva para as suas imagens dos oceanos. A arte, das obras mais complexas às mais simples em suas execuções, é o exercício contínuo de migrar entre os 5 sentidos que usamos para apreender o real visível e, nos momentos mais sinestésicos das nossas vidas e do fazer artístico, perceber a realidade.

A fotografia de Fecht propõe que, mesmo nas imagens de algo comum como o mar que vemos todos os dias, capturadas pelos olhos das câmeras fotográficas e iluminadas pela luz luxuriante da lua, podemos nos perder nos múltiplos significados da sua imensidão líquida que nos acalma e nos agita.

Equivalents. Série realizada por Alfred Stieglitz entre 1925 to 1934.

Equivalents. Série realizada por Alfred Stieglitz entre 1925 to 1934.

As fotos de paisagens marinhas de Fecht nos levam à famosa série Equivalentes realizada entre 1925 e 1934 pelo seminal fotógrafo norte-americano Alfred Stieglitz. Este conjunto de fotos de nuvens, consideradas as primeiras imagens fotográficas a se desligarem da interpretação literal do assunto fotografado, são tidas como fotografias abstratas pioneiras.  Para Stieglitz elas representavam, ou equivaliam, a estados de espírito, ideias e emoções. Em Fecht temos isso também, mas em vez de olharmos para cima e nos depararmos com o infinito sideral e abstrações projetadas em nuvens, olhamos para o mar e mergulhamos em um outro infinito, feito de água, ondulações e intermináveis tons de preto, branco, cinza, azuis e verdes. E das nossas emoções, estados de espírito e ideias. 


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Paulo Marcos de Mendonça Lima é graduado em fotografia pelo Brooks Institute (EUA) e em jornalismo pela UniverCidade. Fotógrafo profissional desde 1980, foi editor de fotografia dos jornais O Globo, LANCE! e O dia, é professor em cursos livres e de pós-graduação e trabalha com fotografia autoral. Publicou os livros Kuarup Quarup, Saara Rio de Janeiro e Rio Imperial entre outros. Expôs na Galeria 32 em Londres e no Museu Ludwig na Alemanha. Desde 2014 é sócio do Ateliê Oriente. Em 2015 participou do FotoRio como leitor de portfolios e com a exposição Perimetranse, foi curador da exposição Delicadeza no Centro Cultural Light, no Rio de Janeiro e coordenou o Prêmio Carlos Lacerda de Fotografia. Em 2016 dividiu a curadoria do Festival Internacional de Fotografia Paraty em Foco com Giancarlo Mecarelli. Em 2018 fez parte da Comissão Gestora do FotoRio Resiste e coordenou a Feira Oriente.

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