A fotografia apresenta suas armas
Por Luiz Baltar
Homem Molotov, Nicaragua 1979 • Crédito: Susan Meiselas
Esses dias estão sendo muito difíceis para todos que acreditam na possibilidade de um mundo mais fraterno, solidário e justo. Confesso que ando desanimado e me falta otimismo quando penso no que o futuro pode trazer. Nós, fotógrafos, precisamos de luz e liberdade, por isso a presença de sombras, de um passado que ameaça voltar, preocupa tanto.
Folha de contato, Nicaragua 1979 • Crédito: Susan Meiselas
Nesse clima pesado, li a entrevista de Susan Meiselas ao jornalista Francisco Quinteiro Pires, publicada no número 15 da Revista Zum. Susan é a atual presidente da agência Magnum, fotógrafa atuante desde os anos 70, realizou importantes e diversificados trabalhos documentais como a cobertura da derrubada do ditador Anastasio Somoza, na Nicarágua e o registro de shows de dançarinas de striptease, em feiras itinerantes pelo interior dos Estados Unidos.
Série Strippers de Carnaval, Vermont 1973 • Crédito: Susan Meiselas
Na entrevista, A Ética do Olhar, Susan fala sobre fazer da fotografia um ponto de partida para sensibilizar o outro, “A imagem pode ser o gatilho de uma experiência de engajamento. Essa experiência não tem, necessariamente, a ver com as ações em resposta à imagem, mas sim com o que a fotografia pode provocar no espectador. A imagem faz com que se pense em algo além daquilo que se conhece ou em algo sobre o que se quer saber mais”, o que Susan propõe se aproxima do pensamento de Jacques Rancière. Em suas obras, o filósofo francês desenvolve uma teoria em torno da partilha do sensível “O que a arte pode fazer, eventualmente, é reenviar as pessoas para algo melhor, para uma visão mais sagaz e mais larga do mundo. O que a arte pode fazer é, de certa forma, mudar as hierarquias sensíveis do pensamento, dando as mesmas experiências a pessoas diferentes, que vivem em universos sensíveis muito diferentes."
Estrada para Aguilares, El Salvador 1983 • Crédito: Susan Meiselas
É impossível não pensar sobre a responsabilidade que teremos pela frente. Em um país profundamente dividido pela intolerância ao diferente, os artistas, especialmente fotógrafos e fotógrafas, precisarão refazer os laços sociais entre as pessoas. A história nos coloca diante de um desafio ainda maior do que tiveram os fotojornalistas nas décadas de 60, 70 e 80. Somos o país que mais mata mulheres, LBGTQ+ e jovens negros no mundo, crimes que acabam impunes pela falta de vontade política. Além disso o número de jornalistas e de defensores de direitos humanos assassinados no Brasil só cresce.
Massacre de Eldorado dos Carajás, Pará 1996 • Crédito: João Roberto Ripper
Para uma parte da população, inflada pelo discurso de ódio que dominou a política nos últimos anos, imprensa livre e direitos humanos são inimigos do projeto moralista e autoritário que querem ver implantado, então, além de documentar as novas lutas pela garantia da democracia e manutenção de direitos, precisamos contribuir para remendar o tecido social desgastado pela intolerância, usando a fotografia para criar pontes entre os diferentes.
Série amores com a vida – crianças em liberdade brincando • Crédito: João Roberto Ripper
“A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo. ”
A fotografia é a forma de expressão artística mais democrática, acessível e popular. Diferente das artes tradicionais que pressupõe um longo e muitas vezes elitizado aprendizado. Ela faz parte do cotidiano da vida moderna e a tecnologia facilitou a produção de imagens. É nesse território que somos capazes de fazer a diferença, estimulando o uso da fotografia como meio de expressão e linguagem por um número maior de pessoas, possibilitando que novas histórias sejam contadas, que o diferente se apresente com toda sua beleza e não seja visto como exótico. Temos que aproveitar os encontros que a fotografia naturalmente proporciona para dialogar sobre valores humanos, empatia e bem-querer.
Intervenção Fotográfica, Complexo do Alemão, 2011 • Crédito: Luiz Baltar
“A fotografia tem uma coisa muito clara. Se as pessoas não viram, não existe e, portanto, se não é mostrado, não é conhecido, não faz parte do conteúdo de informações que faz o senso crítico coletivo. Isso acontece com o belo, com a dignidade e com as realizações dos segmentos com menor poder aquisitivo. Hoje, tão importante quanto denunciar é mostrar a beleza das populações que sofrem esse enorme processo de censura, de exclusão visual de sua beleza e portanto, de segregação, de estigmatização através da violência, de marginalização e de criminalização.”
Ação global Inside Out Project, Providência, 2011 • Crédito: Luiz Baltar
Para terminar, divido com vocês a provocação feita por Susan Meiselas que fica como um questionamento para as nossas ações futuras.
“A questão mais importante envolve divulgação. Como se pode distribuir com maior impacto imagens pelas quais as pessoas podem se apaixonar? Como se contextualiza o trabalho para o impacto maior?”
Varal de fotos na Praça, Paraty 2012 • Crédito: Luiz Baltar
Luiz Baltar trabalha como fotógrafo documentarista e desenvolve projetos autorais no campo da arte contemporânea. Acredita na fotografia como forma de expressão ativista e crítica, daí sua busca em estabelecer um diálogo entre fotografia e questões sociais, sobretudo no que diz respeito ao olhar sobre a cidade.