Cinco vezes Sophie Calle

Por Ioana Mello

Sophie Calle, "Histórias Autobiográficas - Cirurgia plástica", 2000

Sophie Calle, "Histórias Autobiográficas - Cirurgia plástica", 2000

Artista francesa, Sophie Calle tem um trabalho quase inclassificável que perpassa a fotografia, o vídeo, as artes plásticas, a performance e a literatura. Associando "imagem e narração", suas instalações dão origem a uma mitologia particular onde vida e obra de arte se tornam um só. Seu trabalho é tão intrínseco a sua vida que nunca se sabe onde a realidade para e onde a ficção começa. 

Ela já foi stripper, detetive, perseguida, vítima e algoz, já dormiu na Torre Eiffel, se abriu com estranhos, criou a partir da morte de seus pais, se lançou na taxidermia, entre alguns exemplos. E claro, transformou tudo isso em reflexão nas suas obras de arte. Podíamos falar de acaso entre os seus encontros e a sua carreira artística. No entanto, Sophie Calle não deixa nada ao acaso.

( Calle, "Raquel, Monique", Capela do Centro de "la Vieille Charité", 2019

( Calle, "Raquel, Monique", Capela do Centro de "la Vieille Charité", 2019

Muito pelo contrário, tudo é orquestrado, resultando neste universo único e intensamente complexo. Com humor e sensibilidade, ela fala de morte, separação, ausência, abandono... São questionamentos sobre nossos medos mais básicos que ela retraça em seus territórios íntimos e secretos. E nos deixamos levar por seus caminhos sinuosos.

 Este ano, a artista se colocou um novo desafio: 5 exposições em 5 museus na cidade de Marseille. Um percurso sem começo nem fim para o público acompanhar os rastros de sua obra. Agora seguiremos literalmente seus caminhos na bela cidade ao sul da França. Ela embaralha pistas, nessa grande retrospectiva, brincando com a ideia de construção de identidade. Como construímos nossa identidade após a morte, após uma separação, quando nos olham, quando nos olhamos? Inclusive essa proximidade intencional entre sua vida e sua obra também dialoga diretamente com a construção da identidade.

Sophie Calle, "Ver o Mar", Chateau Borely, 2019

Sophie Calle, "Ver o Mar", Chateau Borely, 2019

Sophie-Calle, «Liberdade vigiada», Museu-de-História Natural, 2019

Sophie-Calle, «Liberdade vigiada», Museu-de-História Natural, 2019

Esse é outro ponto crucial da obra da artista, retirar todas as fronteiras entre sua vida pessoal e sua prática artística. E discutir sobre os limites da esfera pública e privada. Até onde acreditamos o que vemos em uma fotografia, e porque? E como nos representamos? Como dizia a teórica americana Susan Sontag, em nossa sociedade hoje a realidade está cada vez mais parecida ao que nos mostram as imagens, atribuímos às coisas reais qualidades imagéticas. O cotidiano de Sophie é transformado em uma investigação perpétua do eu, um diário que se lê em voz alta pois serve para todos.

*Sophie Calle, Cinq, até 22 de abril de 2019 em Marseille.

(Sophie Calle, "Histórias reais", Museu Grobet-Labadié, 2019

(Sophie Calle, "Histórias reais", Museu Grobet-Labadié, 2019


Ioana+Mello.jpg

Ioana Mello é carioca, mora em Paris e desde sua formação dedicou-se a imagem e suas diferentes relações em nossa sociedade. É sobretudo uma apaixonada por fotografia trabalhando a mídia em festivais, galerias, salas de aula ou escrevendo em seu site photolimits.com

Leia outras colunas de Ioana Mello

Ateliê OrienteComentário