Como traduzir o estado de suspensão? (ou dica de exposição em Paris)

Por Ioana Mello

Ser refugiado é estar sempre entre dois espaços. E o seu lar é esse espaço embaixo dos pés que estão em suspenso. - Hiwa K

Rabih Mroué - Leap year's diary, 2006-2016

Rabih Mroué - Leap year's diary, 2006-2016

A suspensão é a espera, o indeterminado, o pendente, o temporário. É um refugiado sem "casa", um povo sem liberdade, um sistema sem possibilidades, uma constante precariedade. Mas também é um tempo de redefinir caminhos, fincar novas raízes, pensar em ação e mudança. Seria o prelúdio do início ou prefácio do fim? Difícil responder com precisão esse impasse, mas interessante, e importante, de se refletir para experimentar caminhos e inventar possibilidades para nossa sociedade atual.

O pouco conhecido espaço Le Bal em Paris, misto de café e espaço expositivo totalmente dedicado à fotografia, surpreendeu mais uma vez com sua nova exposição. A exibição chamada Em suspenso perpassa todas essas sensações difíceis e tão contemporâneas que a palavra suspensão indica. Com uma curadoria poética, abstrata, sutil e bastante sensível, Diane Dafour nos explica que tentou traduzir algo intangível do nosso tempo: o não encontrar o seu lugar - na família, no país, na sociedade, na economia ou em você mesmo.

Sebastian Stumpf, Puddles, 2013

Mas como traduzir em imagem o suspenso; que é incompreensível e imaterial? Como representar o homem em estado de esquecimento de si mesmo? De maneira simples e brutal, alguns artistas conseguiram traduzir histórias, paisagens e sensações renegadas a não acharem seu lugar. Montaram um horizonte comum para essa incerteza sem fronteiras.

O artista Darek Fortas, por exemplo, se mistura a sua própria obra e ao conceito da exposição. Polonês imigrante na Irlanda e depois na Inglaterra, Darek volta ao seu país de origem para explorar o ambiente pós-comunista e investigar sua própria identidade em suspensão. Em sua série Changing Rooms, feita entre 2011 e 2013, o artista fotografa os vestiários das maiores minas de carvão da Europa, que se encontram na Polónia. Para economizar espaço e evitar roubos, a cada operário era atribuído uma corrente conectada à uma polia com um cadeado que lhe permitia içar seus pertences pessoais. Como comenta o próprio artista, através de um detalhe local, a arte permite explorar um significado universal. 

A identidade suspensa desses mineiros, quase sem identidade, renegados pelo sistema econômico, enfatiza o potencial político das massas e seu papel significativo na resistência e na mudança de uma nação (aqui, especificamente contra o regime comunista polonês da época, que depois levou à introdução da democracia nessa parte da Europa).

Darek Fortas – Changing Rooms, Polônia, 2011 – 2013

Darek Fortas – Changing Rooms, Polônia, 2011 – 2013

Entre o fotojornalismo, e a performance, a exposição tateia a tradução de uma sensação global inquietante de desumanização crescente, de um no man’s land comum, de status indeterminados, silêncios e fluidez de direitos.

*A exposição Em suspenso permanece até dia 13 de maio de 2018, no BAL.


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Ioana Mello é carioca, mora em Paris e desde sua formação dedicou-se a imagem e suas diferentes relações em nossa sociedade. É sobretudo uma apaixonada por fotografia trabalhando a mídia em festivais, galerias, salas de aula ou escrevendo em seu site photolimits.com

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