Dorothea Lange, fotografia e política

Por Ioana Mello

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Acabou no fim do mês de janeiro uma bela exposição da fotógrafa americana Dorothea Lange no Jeu de Paume, em Paris. Muito bem montada e com longas anotações feitas pela artista, o público conseguia mergulhar em seus dilemas e seus anseios sociais. Lange tinha um estúdio fotográfico no centro de São Francisco durante a crise econômica americana do fim dos anos 20. Com isso, ela decide retratar as consequências da grande depressão no meio das manifestações sociais.

Através de Lange e seu trabalho junto ao Farm Security Administration (FSA), proponho falarmos de fotografia e política. Em época de polaridades partidárias pelo mundo, devemos ter cuidado com o que vemos (e lemos). Somos bombardeados por opiniões prontas, fotografias editadas e reportagens direcionadas. Os meios de comunicação nos passam, muitas vezes, verdades generalizadas (ou até mentiras descaradas) que perigosamente manipulam os fatos para uma história que interessa diretamente a quem detém o poder.

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Na verdade, tudo é propaganda em favor do que você acredita, não é? Sim, é isso. Não consigo pensar de outro jeito. - Dorothea Lange

Farm Security Administration(FSA) foi um organismo criado em 1935 nos EUA, após a grande depressão de 1929, durante a presidência de Franklin Roosevelt. A FSA era encarregada de documentar com imagens o impacto da crise nos meios rurais. Este registro fotográfico durou até 1941 e contou com o trabalho de inúmeros fotógrafos conhecidos hoje como Dorothea Lange, Walker Evans, Theodor Jung, Russell Lee, Gordon Parks, entre outros.

 A FSA tinha como objetivo ilustrar as necessidades e a importância dos programas econômicos do New Deal (programa pensado por Roosevelt para combater a crise). Apesar de uma certa liberdade, os fotógrafos recebiam ordens explícitas do que precisavam divulgar. Não era tanto a estética que contava, mas o conteúdo. Sendo um departamento ligado ao governo, o empenho da FSA era de enquadrar o processo documental com diretrizes propagandistas.

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De 1935 a 1941, Lange registrou, para os arquivos do FSA, as enormes dificuldades dos imigrantes rurais. Vítimas do sonho americano e da industrialização em massa, eles vagavam pelo país, sem casa, comida ou esperança de futuro. Sua foto da “Mãe imigrante” é umas das imagens documentais mais conhecidas do século 20. Sua edição reforça sempre o lado humano dos trabalhadores. Além disso, ela ainda escrevia observações contundentes que eram adicionadas às margens das imagens. Dizem que graças à força de seu trabalho, o governo construiu alojamentos na Califórnia para abrigar essas famílias. 

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Lange lança em 1939 o livro “Êxodo Americano”, com imagens documentais suas e textos de seu marido, professor de economia em Berkeley. É um testemunho bastante detalhado das carentes condições sociais da América rural em crise.

Hoje, a FSA conta com um arquivo documental contendo em torno de 180 mil negativos, 100 mil impressões fotográficas e 1.500 diapositivos. Mas se todo documento tem um propósito, qual seria o da FSA? Seria apenas fonte de informação e documentação da vida rural em época de crise ou um canal de propaganda? Existia sim uma motivação política e uma intenção de controlar o grande público por parte da FSA. Ao mesmo tempo, é clara aimportância estética das imagens de Lange, e de seu engajamento político para a melhoria de vida de seus retratados.

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Independente da polêmica, o que notamos é que a rede de imagens que nos cerca é tão intrincada que é quase impossível entrever o todo. Muita gente acredita que o fotojornalismo é um registro fiel da realidade, como um indicador de uma verdade “nua e crua”. Um alerta, toda imagem é uma representação elaborada dentro de uma estética, uma cultura e uma motivação e não pode ser compreendida isoladamente. Ela não pode ser desvinculada de seu longo processo de construção, edição e veiculação.

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Ioana Mello é carioca, mora em Paris e desde sua formação dedicou-se a imagem e suas diferentes relações em nossa sociedade. É sobretudo uma apaixonada por fotografia trabalhando a mídia em festivais, galerias, salas de aula ou escrevendo em seu site photolimits.com

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