Quando a fotografia serve de ponte

Por Ioana Mello

“Eu gostaria de virar um dragão e queimar os lenços e tudo mais na barraca.” Omar Imam

Ressoando com o texto do querido Baltar publicado aqui mês passado, vou bater na tecla da importância da fotografia em nosso momento atual. Mais do que nunca, nós fotógrafos temos que criar pontes em nossas imagens. Que elas causem algo: empatia, amor, humanidade, diálogo... Foram meses de ódio extremo e falta de diálogo e o futuro não está garantido.

Somos todos vítimas e algozes nessa tragédia, mas é o que temos para hoje. No Brasil e no mundo! São tragédias diárias, crises, separações, muros, cegueiras: políticas, econômicas e sociais. Mas a fotografia é a arte de ver e nos resta a obrigação de desvelar os olhos do mundo. Ok, estou com um papo um pouco messiânico para a mídia fotográfica. Fiquemos na prática diária então, criando empatia, liberdade e democracia.

 E sempre com o cuidado de representar muitos pontos de vista, diversas histórias reais (e não fake), espalhando inúmeras versões (e não uma única versão oficial). Um lindo exemplo é o trabalho “Live, Love, Refugee” do fotógrafo sírio Omar Imam, torturado em seu país natal e hoje vivendo na Holanda. O fotógrafo tirou fotos de histórias de refugiados sírios. São retratos lúdicos, de sonhos, medos, e frustrações humanas que esses tantos homens e mulheres passam cotidianamente. Em um campo de refugiados no Líbano - país que conta com mais de 1 milhão de exilados – Omar ouviu seus pares e montou cenas surrealistas de histórias reais. Ou seriam histórias surrealistas de cenas reais?

“Só tínhamos grama para comer, mas eu não conseguia engolir. Porém eu me forçava na frente das crianças para elas aceitarem isso como refeição.” Omar Imam

“Só tínhamos grama para comer, mas eu não conseguia engolir. Porém eu me forçava na frente das crianças para elas aceitarem isso como refeição.” Omar Imam

“Na sociedade libanesa somos estranhos e não temos a mesma privacidade que na Síria.” Omar Imam

“Na sociedade libanesa somos estranhos e não temos a mesma privacidade que na Síria.” Omar Imam

Mas esse é apenas um exemplo, de um fotógrafo debruçado em um ponto crítico global. Cenas ilógicas que retratam dor, ódio e falta de elo entre nós transbordam por todo o mundo. Somos muitos, e são muitas imagens a serem feitas.

 Mas temos que ter o cuidado de não espalhar clichés. A crise mundial dos refugiados, por exemplo, tem muito de sua imagem moldada de acordo com inúmeros interesses. Interesses esses que levam, muitas vezes, ONG’s, governos e grupos ativistas a se preocuparem pouco com o próprio refugiado. Resultado: a pessoa mais consternada com os fatos, que deveria ser ouvida, é a que menos tem lugar de escuta e diálogo. A fotografia é um meio de dar essa representação.

Nessa falta de representatividade, as minorias (?) se transformam em corpos e não-imagens. No mundo atual, se você não tem uma imagem para te representar pelas mil redes, você não tem rosto ou voz. E o resultado é que você vira estatística ou seja, você se torna simbolicamente invisível. E assim, perdemos direitos, humanidade, pois sem as imagens não existimos no mundo de hoje.

Mas existimos. De maneira um tanto surrealista, como comprovamos ultimamente, mas resistimos.

“A lacuna entre mim e minhas memórias da Síria está cada vez maior. Tenho medo do espaço em branco.” Omar Imam

“A lacuna entre mim e minhas memórias da Síria está cada vez maior. Tenho medo do espaço em branco.” Omar Imam


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Ioana Mello é carioca, mora em Paris e desde sua formação dedicou-se a imagem e suas diferentes relações em nossa sociedade. É sobretudo uma apaixonada por fotografia trabalhando a mídia em festivais, galerias, salas de aula ou escrevendo em seu site photolimits.com

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